Português/ Literatura Brasileira

TEXTO I


	A carregadora de pedras

	Desde que conquistou o direito à jornada dupla de trabalho,
	a chamada mulher moderna ainda parece estar longe de
	conseguir desfazer o mal-entendido que provocou ao brigar
	pela igualdade profissional com os homens. Não era bem isso:
5	mas no afã de se libertar de outras opressões, ela acabou partindo
	para o mercado de trabalho como se ele fosse a solução de
	todos os problemas - financeiros, conjugais, maternais e muitos
	outros ais. E pagou o preço da precipitação, claro. Agora não
	adianta chorar sobre o leite derramado - até porque a maior parte
10	das vezes continua sendo ela que vai limpar, ah, ah. Mas, falando
	sério, todas sabemos que há muito a fazer para promover alguns
	ajustes e atualizações nessa relação de direitos e deveres de
	homens e mulheres. Como falar sobre isso ajuda, vamos lá.
	Em primeiro lugar, a questão do tempo livre. Que não exis-
15	te, de fato. Aquele ditado que enquanto se descansa carrega
	pedras foi feito para ela. Trabalhe fora ou dentro de casa, a
	mulher dificilmente se livra da carga das tarefas domésticas -
	mesmo que não se envolva pessoalmente. Costuma ser dela a
	responsabilidade pela arregimentação de empregadas, faxineiras,
20	babás, jardineiros, lavadeiras, passadeiras, prestadores de
	serviços em geral, sem falar no abastecimento da casa. Quando
	dá tudo certo, ainda vai. Só que se alguma coisa der errado, a
	cobrança da família será terrível. No vasto histórico da luta
	feminina, muitas mulheres conseguiram autorização de seus
25	maridos para trabalhar fora com a condição de que, antes de
	tudo, garantissem que os afazeres domésticos seriam cumpridos
	sem alteração. Apesar de triste, o pacto legitimou, com um preço
	altíssimo, um sem número de vitórias pessoais. Aquelas - raras
	- que por acaso tenham se livrado da dupla jornada costumam
30	permanecer, por sua vez, exercendo no doce organograma do lar
	as funções de mãe-supervisora nas folgas, feriados e fins de
	semana.	 Depois, com o desaparecimento gradual da parceria pa-
	troa/empregada doméstica, homens e mulheres terão, mais cedo
35	do que se pensa, que lidar com a administração do caos
	doméstico. Sem privilégios. E a primeira providência para esse
	futuro cor-de-rosa começa com a educação progressista dos
	filhos, os novos maridos e esposas que, tal qual os personagens
	do desenho animado Os Jetsons, contarão com uma boa ajuda
40	de um arsenal de maravilhas eletrônicas - entre elas, uma
	empregada-robô. Que não enguiça. Porque, se enguiçar, já
	sabem quem vai mandar consertar. Ou não?
	Sônia Biondo - JB 12/10/96

 

QUESTÃO 1

a) Apesar de apresentar o texto em terceira pessoa, em um momento a jornalista se inclui especificamente entre as mulheres modernas que lhe servem de tema. Transcreva do primeiro parágrafo do texto o segmento que mostra essa inclusão.
b) A ironia é definida como "Modo de exprimir-se que consiste em dizer o contrário daquilo que se está pensando ou sentindo..."; transcreva do segundo parágrafo do texto a expressão que é considerada ironia segundo a definição dada.

 

QUESTÃO 2
Patroa/empregada (l.33/34) e empregada-robô (l.41) têm na grafia sinais (barra, hífen) de significados distintos.

Quais são esses significados, considerando-se as ocorrências destacadas?

TEXTO II

O Quinze (fragmento)

	Sentada na espreguiçadeira da sala, Conceição lia,
	com os olhos escuros intensamente absorvidos na bro-
	chura de capa berrante.
	Na paz daquela manhã de domingo, um silêncio
5	doce tudo envolvia, e algum ruído que soava, logo era
	abafado na calma sonolenta.
	Maciamente, num passo resvalado de sombra, Dona
	Inácia entrou, de volta da igreja, com seu rosário de gran-
	des contas pretas pendurado no braço.
10	Conceição só a viu quando o ferrolho rangeu, abrindo:
	- Já de volta, Mãe Nácia?
	- E você sem largar esse livro!
	Até em hora de missa!
	A moça fechou o livro rindo:
	- Lá vem a Mãe Nácia com briga! Não é domingo?
15	Estou descansando.
	Dona Inácia tomou o volume das mãos da neta e
	olhou o título:
	- E esses livros prestam para moça ler, Conceição?
	No meu tempo, moça só lia romance que o padre
20	mandava...
	Conceição riu de novo:
	- Isso não é romance, Mãe Nácia. Você não está
	vendo? É um livro sério, de estudo...
	- De que trata? Você sabe que eu não entendo
25	francês...
	Conceição, ante aquela ouvinte inesperada, tentou
	fazer uma síntese do tema da obra, procurando
	ingenuamente encaminhar a avó para suas tais idéias:
	- Trata da questão feminina, da situação da mulher
30	na sociedade, dos direitos maternais, do problema...
	Dona Inácia juntou as mãos, aflita:
	- E minha filha, para que uma moça precisa saber
	disso? Você quererá ser doutora, dar para escrever livros?
	Novamente o riso da moça soou:
35	- Qual o quê, Mãe Nácia! Leio para aprender, para me
	documentar...
	- E só para isso, você vive queimando os olhos, ema-
	grecendo... Lendo essas tolices..
	- Mãe Nácia, quando a gente renuncia a certas
40	obrigações, casa, filhos, família, tem que arranjar outras coisas
	com que se preocupe... Senão a vida fica vazia
	demais...
	- E para que você torceu sua natureza? Por que não
	se casa?
45	Conceição olhou a avó de revés, maliciosa:
	- Nunca achei quem valesse a pena...
	Rachel de Queirós, O quinze, Rio de Janeiro,
 	José Olympio Editora, 20a ed. 1976, p. 91

 

QUESTÃO 3
Os personagens presentes nesse fragmento do romance O Quinze opõem-se, entre outros aspectos, pela visão que possuem sobre a função da leitura.

Explique essa oposição com suas próprias palavras.

 

QUESTÃO 4
"Lá vem a Mãe Nácia com briga! Não é domingo? Estou descansando." (l.14/15)

Reescreva as orações sublinhadas, unindo-as em um só período por meio de uma palavra de ligação, mantendo o sentido original do texto.

QUESTÃO 5
Os dois primeiros parágrafos da narrativa (texto 2) são representativos de um modo de organização discursiva: o descritivo.

a) Indique duas características da descrição presentes nesse segmento do texto.
b) Exemplifique as características dadas com elementos do texto.

QUESTÃO 6
A personagem Conceição mostra certa contradição entre sua posição progressista em relação ao papel da mulher na sociedade e os valores tradicionalmente atribuídos a ela.

Destaque duas palavras da fala de Conceição que revelam essa contradição.

 

TEXTO III


			Divina

		Eu não busco saber o inevitável
		das espirais da tua vã matéria.
		Não quero cogitar da paz funérea
		que envolve todo o ser inconsolável.
		Bem sei que no teu círculo maleável
		de vida transitória e mágoa séria
		há manchas dessa orgânica miséria
		do mundo contingente, imponderável.
		Mas o que eu amo no teu ser obscuro
		é o evangélico mistério puro
		do sacrifício que te torna heroína.
		São certos raios da tu’alma ansiosa
		é certa luz misericordiosa,
		é certa auréola que te faz divina!
			Cruz e Sousa. Poesias completas,
 			Governo do Estado de Santa Catarina,
 			Fundação Catarinense de Cultura, 1981, p.89

 

QUESTÃO 7
De acordo com a concepção simbolista, o corpo representa um obstáculo ao verdadeiro desenvolvimento do homem.

a) Transcreva do texto 3 o verso que melhor condensa tal marca de estilo.
b) Explique a relação entre esse verso e a quarta estrofe do poema em termos semânticos.

TEXTO IV


		A Mulher e a casa

	     	Tua sedução é menos
		de mulher do que de casa:
		pois vem de como é por dentro
		ou por detrás da fachada.
		Mesmo quando ela possui
		tua plácida elegância,
		esse teu reboco claro,
		riso franco de varandas,
		uma casa não é nunca
		só para ser contemplada;
		melhor: somente por dentro
		é possível contemplá-la.
		Seduz pelo que é dentro,
		ou será, quando se abra:
		pelo que pode ser dentro
		de suas paredes fechadas;
		pelo que dentro fizeram
		com seus vazios, com o nada;
		pelos espaços de dentro,
		não pelo que dentro guarda;
		pelos espaços de dentro:
		seus recintos, suas áreas,
		organizando-se dentro
		em corredores e salas,
		os quais sugerindo ao homem
		estâncias aconchegadas,
		paredes bem revestidas
		ou recessos bons de cavas,
		exercem sobre esse homem
		efeito igual ao que causas:
		a vontade de corrê-la
		por dentro, de visitá-la.
			João Cabral de Melo Neto. Poesias completas,
 			Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1979, p.153


QUESTÃO 8
No texto 4, o poeta fala da sedução da mulher e da sedução da casa.

Para o eu-lírico, em que o segundo tipo de sedução é superior ao primeiro?

QUESTÃO 9
A geração de 45 marca certa volta à valorização formal do poema em termos tradicionais.

Indique duas características do poema de João Cabral que justificam essa afirmativa.

QUESTÃO 10
A mulher, tema dessa prova, é motivo dos poemas 3 e 4.

Explique a principal diferença na apreensão da figura feminina nesses dois textos.

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