Português / Literatura Brasileira

"Sim: lavrador da palavra =
Teto e pão de nossa língua ="
( Murilo Mendes )

TEXTO I


O texto a seguir está publicado em obra dedicada
" aos milhares de famílias de brasileiros sem terra ".

Levantados do chão

Como então? Desgarrados da terra?
Como assim? Levantados do chão?
Como embaixo dos pés uma terra
Como água escorrendo da mão?

Como em sonho correr numa estrada?
Deslizando no mesmo lugar?
Como em sonho perder a passada
E no oco da Terra tombar?

Como então? Desgarrados da terra?
Como assim? Levantados do chão?
Ou na planta dos pés uma terra
Como água na palma da mão?

Habitar uma lama sem fundo?
Como em cama de pó se deitar?
Num balanço de rede sem rede
Ver o mundo de pernas pro ar?

Como assim? Levitante colono?
Pasto aéreo? Celeste curral?
Um rebanho nas nuvens? Mas como?
Boi alado? Alazão sideral?

Que esquisita lavoura! Mas como?
Um arado no espaço? Será?
Choverá que laranja? Que pomo?
Gomo? Sumo? Granizo? Maná?

( HOLLANDA, Chico Buarque de. In: SALGADO,
Sebastião. Terra. S P: Companhia das Letras, 1997. p. 111.)

Atenção - vocabulário:
pomo (penúltimo verso) - fruto
maná (último verso) - alimento divino, alimento caído do céu

QUESTÃO 1
As imagens da estrofe 5 constroem-se através da combinação de substantivos com adjetivos, pertencentes aos campos semânticos de AR e de TERRA .

a) A maneira como esses campos semânticos estão combinados resulta em imagens contraditórias, expressas numa figura de linguagem. Diga qual é essa figura de linguagem.
b) Essa figura de linguagem revela a opinião do eu-lírico sobre a realidade.
Explique por quê.

QUESTÃO 2
No texto, o eu-lírico constrói progressivamente sua visão da realidade: nas estrofes 1, 2, 3, tenta decifrar o significado da imagem “levantados do chão”; nas estrofes 4, 5, 6, vai reforçando sua opinião crítica sobre a realidade.

Releia:

"Um rebanho nas nuvens? Mas como?" ( verso 19 )
"Um arado no espaço? Será?" ( verso 22 )

Nos versos acima, a conjunção adversativa "mas" e o futuro do presente do indicativo são utilizados para enfatizar esse posicionamento crítico.
Explique por quê.

 

TEXTO II

Terra em chamas

Com seu privilégio territorial, o Brasil jamais deveria ter o campo conflagrado. Existem 371 milhões de hectares prontos para a agricultura no país, uma área enorme, que equivale aos territórios de Argentina, França, Alemanha e Uruguai somados. Mas apenas 14% dessa terra, igual à Alemanha, tem algum tipo de plantação. Outros 48%, área quase igual à do México, destinam-se à criação de gado. O que sobra, uma África do Sul inteira, é o que os especialistas chamam de terra ociosa. Nela não se produz 1 litro de leite, uma saca de soja, 1 quilo de batata ou um cacho de uva. Por trás de tanta terra à-toa esconde-se outro problema agrário brasileiro. Quase metade da terra cultivável está nas mãos de 1% dos fazendeiros, enquanto uma parcela ínfima, menos de 3%, pertence a 3,1 milhões de produtores rurais. É como se a população da cidade de Resende, no interior do Estado do Rio de Janeiro, fosse dona de três Franças, enquanto a população da Nova Zelândia tivesse apenas um Estado de Santa Catarina.

(...)

(...) Juntando tanta terra na mão de poucos e vastas extensões improdutivas, o Brasil montou o cenário próprio para atear fogo ao campo. É aí que nascem os conflitos, que nos últimos quinze anos, só em chacinas, fizeram 115 mortos. Daí surge a massa de sem-terra, formada tanto por quem perdeu seu pedaço para plantar como pela multidão de excluídos, desempregados ou biscateiros da periferia das grandes cidades, que são, de uma forma ou de outra, gente também ligada à questão da terra - porque perdeu a propriedade, porque não choveu, porque o pai vendeu a fazenda, porque ela foi inundada por uma represa.

( VEJA. "Sangue em Eldorado". SP
Editora Abril, Edição 1441 / Ano 29 / N 17. 24/04/96. p. 40.)

Atenção - vocabulário:
conflagrado (linha 2) - em agitação, em convulsão

QUESTÃO 3
Um dos aspectos do problema tematizado em "Terra em chamas" está discutido no seguinte trecho:

" O que sobra, uma África do Sul inteira, é o que os especialistas chamam de terra ociosa. Nela não se produz 1 litro de leite, uma saca de soja, 1 quilo de batata ou um cacho de uva. Por trás de tanta terra à-toa esconde-se outro problema agrário brasileiro."

a) Aponte a diferença de sentido entre "terra ociosa" e "terra à-toa", no trecho destacado.
b) O emprego da expressão "terra à-toa" , em confronto com a expressão "terra ociosa" , manifesta a função emotiva ( ou expressiva ) da linguagem.
Explique por quê.

 

TEXTO III

Devido à sua importância, o Romantismo deixou marcas que reaparecem como herança em muitos textos produzidos posteriormente na Literatura Brasileira. Este poema de Olavo Bilac apresenta algumas dessas marcas.

Sonho

Ter nascido homem outro, em outros dias,
- Não hoje, nesta agitação sem glória,
Em traficâncias e mesquinharias,
Numa apagada vida merencória

Ter nascido numa era de utopias,
Nos áureos ciclos épicos da História,
Ardendo em generosas fantasias,
Em rajadas de amor e de vitória:

Campeão e trovador da Idade Média,
Herói no galanteio e na cruzada,
Viver entre um idílio e uma tragédia;

E morrer em sorrisos e lampejos,
Por um gesto, um olhar, um sonho, um nada,
Traspassado de golpes e de beijos!

( BILAC, Olavo. Olavo Bilac: obra reunida.
RJ: Nova Aguilar, 1996. p. 284.)

Atenção - vocabulário:
merencória ( verso 4 ) - melancólica

QUESTÃO 4
Do verso 2 ao verso 6, o poema caracteriza o TEMPO, recriando a ambiência romântica.

Justifique essa afirmação, com suas palavras, e exemplifique com adjetivos presentes nesses versos.

QUESTÃO 5
Os tercetos do poema "Sonho" definem o SUJEITO, acentuando-lhe dois aspectos que recriam, também, a atmosfera romântica.

Justifique essa afirmação, com suas palavras, e exemplifique com dois substantivos retirados do primeiro terceto do poema.

QUESTÃO 6
No poema, sonha-se com um mundo diferente daquele em que o eu-lírico se encontra.

O primeiro verso aponta essa diferença através do emprego do pronome indefinido outro. Observe:

"Ter nascido homem outro, em outros dias,"

Com base na organização sintática do verso acima, indique dois procedimentos utilizados para enfatizar essa diferença.

 

TEXTO IV

O utopista

Ele acredita que o chão é duro
Que todos os homens estão presos
Que há limites para a poesia
Que não há sorrisos nas crianças
Nem amor nas mulheres
Que só de pão vive o homem
Que não há outro mundo.

( MENDES, Murilo. Murilo Mendes: poesia completa e prosa. RJ: Nova Aguilar, 1994.)

QUESTÃO 7
No poema, o pronome pessoal "Ele" não se refere ao utopista.

Justifique a afirmação, com base na relação entre o título e o último verso do poema.

 

TEXTO V

Cidade Prevista

   Guardei-me para a epopéia
   que jamais escreverei.
   Poetas de Minas Gerais
   e bardos do Alto-Araguaia,
 5 vagos cantores tupis,
   recolhei meu pobre acervo,
   alongai meu sentimento.
   O que eu escrevi não conta.
   O que desejei é tudo.
10 Retomai minhas palavras,
   meus bens, minha inquietação,
   fazei o canto ardoroso,
   cheio de antigo mistério
   mas límpido e resplendente.
15 Cantai esse verso puro,
   que se ouvirá no Amazonas, 
   na choça do sertanejo 
   e no subúrbio carioca, 
   no mato, na vila X, 
20 no colégio, na oficina,
   território de homens livres 
   que será nosso país
   e será pátria de todos.

   Irmãos, cantai esse mundo
25 que não verei, mas virá
   um dia, dentro em mil anos,
   talvez mais... não tenho pressa.
   Um mundo enfim ordenado,
   uma pátria sem fronteiras,
30 sem leis e regulamentos,
   uma terra sem bandeiras,
   sem igrejas nem quartéis,
   sem dor, sem febre, sem ouro, 
   um jeito só de viver,  
35 mas nesse jeito a variedade,   
   a multiplicidade toda  
   que há dentro de cada um.
   Uma cidade sem portas,  
   de casas sem armadilha,   
40 um país de riso e glória  
   como nunca houve nenhum. 
   Este país não é meu   
   nem vosso ainda, poetas.
   Mas ele será um dia 
45 o país de todo homem.  

( ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião: 10 livros de poesia. 10 ed . RJ: José Olympio, 1980. )

Atenção - vocabulário:
bardos ( verso 4 ) - trovadores

QUESTÃO 8
O confronto entre as atitudes de ruptura e de continuidade é marca importante do Modernismo brasileiro.

No poema "Cidade Prevista", a articulação entre ruptura e continuidade aparece associada à preocupação metalingüística do eu-lírico.

Do trecho compreendido entre os versos 3 e 11, retire dois versos que, em confronto, comprovem a afirmação do parágrafo imediatamente acima.

QUESTÃO 9
No segundo parágrafo de "Terra em chamas" ( Texto II ), os vocábulos "sem-terra", "excluídos" , "desempregados" remetem para uma realidade caracterizada pela ausência e pela falta.

Ausência e falta caracterizam também a realidade idealizada no poema de Drummond (Texto V, versos 28 a 33).

Essas realidades de ausência e de falta têm valor positivo ou negativo em cada um dos textos citados? Justifique a resposta, com suas palavras.

QUESTÃO 10
a) Em "Cidade prevista" (Texto V), caracteriza-se indiretamente a realidade presente.

Justifique essa afirmação, com suas palavras.

b) Em contrapartida, em "O utopista" (Texto IV), caracteriza-se indiretamente um mundo ideal.

Justifique essa afirmação, com suas palavras.

fechar